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Cineclubes guardam a tradição de influenciar na formação de cineastas



O cinema pernambucano tem tradição de formar cineastas através de cineclubes. Essa característica ficou particularmente evidente a partir dos anos 1980: cineclubes como o Jurando Vingar (que contou com os cineastas Marcelo Gomes e Kleber Mendonça Filho), Van Retrô (Paulo Caldas e Cláudio Assis), Barravento (Marcelo Pedroso e Leonardo Sette) e Dissenso (André Antônio e Rodrigo Almeida) foram responsáveis não apenas por sessões e debates memoráveis como também o amadurecimento de diferentes gerações de diretores.

“Cineclubes são espaços de debate e de fomento da cultura cinematográfica. Como quase todos os diretores são cinéfilos, acompanhar as sessões contribui para o amadurecimento”, indica Alexandre Figueirôa, professor e pesquisador de cinema da Universidade Católica de Pernambuco. “As programações quase sempre são dedicadas à exibição de obras marcantes e com relevância tanto do ponto de vista estético quanto de conteúdo. Isso sem dúvida vai influenciar na formação dos cineastas”, destaca Figueirôa.

Um dos cineclubes de maior impacto no cinema pernambucano foi o Jurando Vingar, que influenciou diretores que hoje se destacam em festivais nacionais e estrangeiros, como, além de Gomes (“Joaquim”) e Mendonça Filho (“Aquarius”), Paulo Caldas (“Baile perfumado”), Cláudio Assis (“Febre do rato”) e Hilton Lacerda (“Tatuagem“). “Naquela época não havia cursos formais de cinema”, escrevem os pesquisadores Amanda Mansur e Paulo Cunha, no livro “A Aventura do Baile Perfumado: 20 anos depois”.

“Todos eles foram gestados diretamente pelas imagens e sons, assistindo aos filmes do cinema do pós-guerra - Nouvelle Vague, Neorrealismo italiano, Novo Cinema Britânico”, apontam os pesquisadores, indicando que “é impossível separar em Pernambuco a história recente da produção de filmes da evolução da atividade cineclubista”. “O cineclubismo foi crucial para a formação da nova geração de realizadores de Pernambuco”, ressaltam.

Barravento

Outro cineclube importante no processo de formação de cineastas foi o Barravento. “Foi fundado por Julio Cavani, Leonardo Sette e Diogo Almeida, em 2000. Antes, era Cineclube da UFPE”, lembra Marcelo Pedroso (“Brasil S/A”). “Tivemos uma greve de seis meses na Federal naquele ano. Propus que retomássemos as sessões no contexto das atividades de mobilização da greve e fizemos sessões, entre elas de ‘Barravento’ [Glauber Rocha, 1962]. Quando o cineclube foi retomado, depois da greve, decidimos que se chamaria Barravento - em homenagem ao filme, mas também ao momento político”, diz.

Para Pedroso, há conexões entre cineclube e realização cinematográfica. “São coisas concomitantes na história do cinema. É comum que pessoas envolvidas em cineclubes passem a querer fazer filmes, assim como é comum que movimentos cinematográficos sejam amparados por atividades cineclubísticas”, opina. “Cineclube é lugar de partilha de afetos e experiências, mas também de contaminação. Os filmes são devorados, os debates são inflamados e continuam nos bares, ficam reverberando na sua cabeça por dias. Vira um vício”, ressalta.

“Para quem trabalha com cinema, é uma atividade fundamental. Eu mesmo me lembro de sair de uma sessão do [cineclube] Dissenso e ir pra casa febrilmente para terminar a edição de um filme que estava empacado há meses e cuja resolução eu encontrei intuitivamente assistindo a um filme no cineclube. A curadoria de um cineclube tende a oferecer coisas finas, raras, as joias do cinema que muitas vezes ficam às margens do mercado”, destaca.

Terror

Um exemplo de cineclube em atividade que vem contribuindo na formação de cineastas é o Toca o Terror, gerido por Jota Bosco, Geraldo de Fraga, Gabriela Alcântara, Felipe Macedo, Jarmeson de Lima, Osvaldo Neto e Júlio Cesar Carvalho.

O grupo se destaca pela atenção ao gênero horror. “A percepção sobre o cinema de horror é estereotipada. Nossa missão é aprofundar o debate”, destaca Jarmeson.

“Nosso material tem como base a produção nacional e independente. Queremos mostrar que é possível realizar cinema de qualidade sem estar vinculado a grandes estúdios. E como mesmo filmes mais reconhecidos sofrem com o problema de distribuição, o cineclube tem contribuído para ajudar o público a encontrar estes produtos”, ressalta.

 

Além da exibição, o Toca o Terror também é um coletivo de cinema. “Em 2015, fizemos ‘Domingos’, curta-metragem independente realizado via crowdfunding e que circulou por festivais e mostras pelo Brasil. Atualmente estamos finalizando ‘Última Puella’, também de forma independente, com a ajuda de fãs e amigos”, explica Jarmeson.

História

Um dos primeiros cineclubes no Brasil foi o Chaplin Club, no Rio de Janeiro, nos anos 1920. “Surgiu no auge das discussões sobre a chegada do cinema sonoro”, diz Luiz Joaquim, coordenador do curso de Cinema e Audiovisual da Aeso - Faculdades Integradas Barros Melo, que trabalha com os alunos para resgatar o cineclube da instituição em um novo formato. “Textos com profundidade eram produzidos, com destaque para Plínio Sussekind Rocha e Octávio de Faria, para a revista ‘O Fan’, do Chaplin Club. Foi pelos textos publicados por seus integrantes que Mário Peixoto viria a ser reconhecido anos mais tarde por ‘Limite’ (1931)”, destaca Luiz.

“Os pernambucanos Evaldo e Aloísio Coutinho e Josué de Castro também escreveram para ‘O Fan’”, lembra o jornalista e pesquisador André Dib. “Em Pernambuco, o primeiro registro é o Club de Cinema, em 1937. No início dos 1940, Jota Soares e Pedro Salgado fundaram o Siri, que em 1944 se tornou Museu Cinema”, ressalta Dib, que participa do cineclube CineRua, que promove a próxima sessão na última terça-feira de abril, na rua do Teatro do Parque, fechado para reforma desde 2010.

Ousadia

Entre os resultados recentes de ações cineclubistas na comunidade cinematográfica pernambucana estão os diretores que vieram do Dissenso. Depois do cineclube, que funcionou entre 2008 e 2014, primeiro na Universidade Federal de Pernambuco e depois no Cinema da Fundação, quatro integrantes fundaram o coletivo Surto & Deslumbramento: André Antônio, Chico Lacerda, Fábio Ramalho e Rodrigo Almeida.

“Estávamos numa viagem participando de um congresso acadêmico sobre cinema.

Quando saíamos pra beber, ficávamos tendo ideias absurdas de filmes debochados. Até que um de nós falou: ‘Quando voltarmos pro Recife, vamos botar isso em prática’”, lembra André. O primeiro curta-metragem foi “Mama”, de André, em 2012. “Tinha uma estética camp - exagerada - que era bem diferente do que a maior parte do cinema brasileiro vinha fazendo”, diz o diretor.

Depois surgiram “Estudo em Vermelho” e “Virgindade”, de Chico; “Casa Forte” e “Como era Gostoso meu Cafuçu”, de Rodrigo - curtas que circularam por festivais no Brasil e no exterior e conquistaram prêmios. Em 2015, o coletivo estreou seu primeiro longa-metragem, “A Seita”, dirigido por André - uma ficção científica que apresenta a paisagem urbana do Recife em 2040. Agora, o coletivo finaliza o curta “Primavera”, de Fabio Ramalho.

“Escrevi o roteiro de ‘A Seita’ em 2013 a partir de um fascínio por certas paisagens decadentes do Recife”, diz André. “Não queria fazer exatamente um filme que ‘criticasse’ esse estado, mas que permitisse uma espécie de indulgência contemplativa nesses cenários que estão espalhados pela cidade. Foi algo novo e diferente dos filmes anteriores da Deslumbramento, que eram feitos sobretudo entre nós quatro, de maneira, digamos, menos ‘profissional’”, explica.

Embora cada filme apresente marcas de autoria únicas, é possível sugerir temas e propostas de estilo que aproximam os cineastas. “No coletivo, sempre que alguém realiza um filme, o faz a partir de projetos e obsessões pessoais, sem pensar se a ideia vai se adequar ou não a uma suposta coerência do grupo”, diz André. “Mas é possível ver que nossos filmes compartilhem naturalmente de uma mesma sensibilidade, que tem a ver com um gosto pelo artifício e pela ironia”, diz.

A formação dos diretores no cineclube foi uma etapa fundamental. “É importante descobrir filmes e pensar: ‘uau, isso existe’ ou ‘é possível fazer isso’ ou ‘essa pessoa só tinha essa câmera barata à disposição e conseguiu fazer algo fantástico’. Cineclubes, enquanto grupos de pessoas que se juntam para ver e discutir filmes porque adoram isso, sem qualquer necessidade de lucro, têm essa margem de liberdade. A energia de um cineclube, de ver esses filmes e depois conversar sobre eles, é forte e inspiradora. E pode instigar a vontade de fazer seus filmes”, conclui André.

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