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Acervo do Foto-Cine Clube do Recife mostra a capital pernambucana em transformação durante o século 20


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Embora a fotografia seja uma atividade que preze pela singularidade do olhar, a busca pela melhor imagem forjou encontros que marcaram a trajetória dessa linguagem. Poucas coisas simbolizaram mais isso do que a trajetória dos fotoclubes, reunião de fotógrafos amadores que esquadrinhavam cidades e paisagens em meados do século 20 para registrar o que estava a seu alcance. Um representante dessa tendência mundial foi o Foto-Cine Clube do Recife, cuja história é pouco conhecida fora do círculo de interessados em fotografia. O acervo da entidade está abrigado atualmente na Fundação Joaquim Nabuco.

A entidade surgiu em 30 de setembro de 1949 e teve como grande catalisador de suas atividades o letão radicado na capital pernambucana Alexandre Berzin (1903-1979), que havia ministrado um curso de fotografia na Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR), que englobava profissionais como Abelardo da Hora. A composição era, quase totalmente, de profissionais liberais, funcionários públicos e integrantes da classe média e média alta, que tinham dinheiro para investir em máquinas, filmes e material de laboratório muitas vezes importados. Individualmente ou em grupos, saíam para tirar instantâneos de pessoas que encontravam pela rua, de momentos cotidianos das cidades ou faziam composições plásticas com elementos de construções.

O nome do Foto-Cine Clube do Recife se justifica porque também englobava a atividade de cinegrafistas, mas  sua produção estritamente fotográfica alcançou mais apelo.  %u201CÉ uma forma de expressão, em sua maioria, de homens jovens e solteiros. Berzin chegou no Recife em 1927 e se estabeleceu como fotógrafo profissional. Penso nele com um papel semelhante ao de Alcir Lacerda (1927-2012) nos anos 70 e 80: alguém que ajudava os iniciantes%u201D, aponta a professora do departamento de História da UFRPE, Fabiana Bruce, cuja tese de doutorado aborda a atuação do Foto-Cine Clube do Recife à luz da fotografia moderna dos anos 50.

Entre 1950 e 1960, período no qual Fabiana pesquisou o Foto-Cine Clube do Recife, houve 643 registros de associados. Este período de intensas e rápidas transformações no tecido social e arquitetônico da cidade, além de personagens do mundo do trabalho, como vendedores e pescadores, eram aproveitados. %u201CO Recife era um grande tema. A ideia de fotografia de rua aparece mais recentemente, mas os associados faziam isso, de certa forma. Todos eram influenciados por Cartier-Bresson e por sua ideia de %u2018instante decisivo%u2019. Eles alugavam ônibus e saíam, por exemplo, para as praias. A cidade era considerada muito fotogênica e eles também chegavam a lugares um pouco mais rurais até então, como a região da Avenida Caxangá%u201D.

O fotoclube também teve duas consequências importantes para a fotografia da cidade. Uma foi a profissionalização de alguns de seus membros, como Clodomir Bezerra (1933-1998), fotojornalista com passagens pela Revista Cruzeiro e pelo jornal Última Hora. Benício Dias, embora fosse considerado fotógrafo amador, fazia imagens para a Diretoria de Estatística, Propaganda e Turismo do Recife. Outra faceta importante foi a realização de cursos, mostras e concursos, fossem eles de caráter local ou regional. Isso permitiu a criação de uma rede de amantes da fotografia e permitiu a circulação de informações.

FOTOCINECLUBES: IMPORTÂNCIA E CONSEQUÊNCIAS

Se no exterior o surgimento das sociedades fotográficas e associações remontam ao século 19, no Brasil, a experiência com os fotoclubes começou no início do século 20, mas ganhou impulso definitivo em 1939, com a fundação do Foto Cine Clube Bandeirante, em São Paulo, em atividade até hoje. A importância desse tipo de entidade é sublinhada por Iatã Cannabrava, pesquisador e curador da exposição Moderna para Sempre - Fotografia Modernista Brasileira. %u201CA fotografia surgiu na esteira da revolução industrial, mas foi rapidamente alimentada pelo ego de quem queria ser fotografado. Depois, ela entrou em crise: é arte ou não? E, nos fotoclubes, seus membros começaram a desenhar, pintar, usar borracha e quimicos azuis para deixá-la mais próxima possível à pintura. A foto era, na verdade, o começo da construção de uma obra e os fotoclubistas eram exímios laboratoristas%u201D.

Para o estudioso, a experiência dos fotoclubes no Brasil foi a mais importante do mundo e trouxe algo de verdadeiramente novo para esse tipo de associação. %u201CNo país, há a descoberta do poder da perda do referente, ou seja, a telha não é mais telha. Ela vira traços, dobras e isso constroi um movimento por meio da forma fotográfica. A maioria dos fotoclubistas era composta por empresários ricos e eles faziam fotografias despolitizadas. De qualquer forma, eles criaram algo inexistente até então: uma cara própria para a fotografia brasileira%u201D.

Embora hoje em dia as saídas fotográficas em grupos feitas por amadores ainda sejam comuns, as mudanças no status da fotografia e a inundação do mundo comtemporâneo por imagens dão a eles um contexto diferente. No campo profissional, o surgimento dos coletivos fotográficos, nos quais a ideia de autoria é diluída entre seus integrantes, é um fato novo e marcante em relação a meados so século 20, época de surgimento dos coletivos. %u201CNão concordo que possamos igualar coletivos e fotoclubes, exatamente por esse traço que distingue entre agrupar associados que mantém suas diferenças individuais bem marcadas e atores que buscam misturar suas práticas com vistas a um resultado comum a ponto de, em muitos casos, até a assinatura poder ser coletivizada%u201D, opina Eduardo Queiroga, coordenador do bacharelado em fotografia das Faculdades Integradas Barros Melo/Aeso e autor do livro Coletivos fotográficos contemporâneos.

Fonte: Diario de Pernambuco

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